• LIGUE: (+244) 937 303 954 | 995 348 495
logo-home20

Didáctica da relação. O que os nossos jogos nos podem ensinar?

A principal tarefa desta década que agora se inicia, para nós angolanos, terá de ser indubitavelmente a revolução acadêmica

que, para além dos pontuais investimentos, exigirá também uma ruptura, não com o conhecimento que foi produzido pelo ocidente e outras circunscrições psico-espaciais, pois, todo o conhecimento tem a sua utilidade, mas sim com a forma como administramos esse conhecimento, ignorando a memória que reside nos artefactos culturais e não só, passando pela produção massiva de estudos que devem ser convenientemente divulgados.

Esses artefactos podem ser poderosos instrumentos aos quais os professores deveriam recorrer, para enriquecerem as suas aulas, fazendo com que os alunos interajam e se relacionem com esse conhecimento em todas as suas dimensões. Numa única aula, o estudante relaciona-se com a ciência e simultaneamente com a cultura, o que gerará uma consciência de pertença que a nossa escola, ainda ocidental, não pode doutrinar por sua consciência histórica de exclusão e de grelha.

É por demais conhecida, a título de exemplo, a relação dos sona com a matemática e o que esses traçados geométricos, feitos geralmente no chão podem dizer filosoficamente por via dos provérbios que encerram. Dos sona partimos para um jogo passível de ser integrado, entendendo sona como um amplo sistema que simultaneamente congrega a arte, a ciência e o jogo.

O valor simbólico de um jogo, sobretudo os mais antigos, é geralmente desconhecido pelas pessoas que o praticam, em virtude do estatuo etário ou das condições sociais que tornam inoperantes e ineficazes os processos de ensino e aprendizagem. Esse desconhecimento se dá porque aprendemos a nos relacionar com estes jogos por via do afecto e nunca nos preocupamos em analisá-los racionalmente.

A complexidade de alguns desses jogos e o seu alcance vai para além do lúdico, do entretenimento, pois, analisados rigorosamente, encerram um conteúdo filosófico-matemático inestimáveis. Um desses jogos é o que costumávamos a chamar, em Luanda, por “ Tira o cocó do meio”, deixando em aberto outras designações eventualmente mais elegantes. Mas era essa a expressão que usávamos.

“Tira o cocó do meio” é um jogo que se praticava com muita frequência nos anos 90 e na primeira metade da primeira década dos anos 2000. Era um dos muitos jogos de entretenimento aos quais os adolescentes recorriam na ausência de outros meios de diversão. Com o fim da guerra civil, a consequente abertura para o mundo e a chegada do universo digital, internet, assim como a chegada das antenas parabólicas e TV cabo, grande parte desses jogos deixaram de ser praticados, pelo menos na província de Luanda, onde era muito mais frequente.

Geometricamente, o “ Tira o cocó do meio” é um asterisco gigante, um traçado de quatro linhas dentro de um quadrado, sendo uma vertical e uma horizontal formando uma cruz (+), que é depois atravessada por duas linhas oblíquas entrecruzadas, que formam um X e, se seguirmos a lógica que um quadrado é uma estrutura geométrica formada por quatro linhas simétricas, então todas as linhas desse jogo têm a mesma medida. Por conseguinte, tradicionalmente, o “Tira o cocó do meio” segue a mesma lógica dos sona, autorregula-se por princípios etno-matemáticos facilmente identificáveis, pode configurar um provérbio e geralmente é desenhado no chão.

Trata-se de um jogo em que os executantes devem ser movidos pela razão, pela lógica e pela astúcia, princípios de estratégias geralmente usadas no domínio militar, político, empresarial e social. O primeiro jogador procura sempre ocupar o centro para condicionar as acções do contendor; contudo, não é já garantia de vitória, quando o adversário é mais astuto e sabe recuperar terreno. A finalidade é remeter o adversário num beco sem saída, através do preenchimento de uma das rectas que passe pelo centro. Trata-se de um jogo que mantém bastantes afinidades com o Xadrez. São três pedras para cada jogador e quem as souber movimentar melhor vence a partida.

É um jogo que, na verdade, explica simbolicamente as relações sociais, políticas, militares em clima de tensão e que, dependendo do conhecimento cultural que o professor tiver, se for utilizado como um instrumento didáctico, pode auxiliar, sobretudo a nível universitário, na explicação e consequente compreensão de diversas matérias em campos como Sociologia, Ciência Política, Gestão, Estratégia, etc, por via da relação, como demonstraremos em nosso livro, ainda no prelo, intitulado “Também é Filosofia”.

Comentários (0)

Ut enim ad minim veniam

Deixe o seu comentário

x